quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O Dom como Ciência Natural de Santa Hildegarda de Bingen


Hildegard von Bingen  1098 - 1179




O dom...

Embora não se tenha informações de que a Santa tenha feito estudos da ciência natural, botânica ou medicina, escreveu ela um Manual de medicina, publicado na Alemanha pelos doutores Gottfried Hertzka e Wighard Strehlow. 

O conjunto de sua obra demonstra grande conhecimento da natureza humana. Como poderia ela, sem sair de seu convento, adquirir tal conhecimento? Não existe resposta para esta indagação. Sabe-se que ela descreve o valor das águas, observando, por exemplo, que “a água do Rio Glan é boa para preparar alimentos, beber, banhar-se e lavar o rosto”, enquanto a do Mosele “não é boa nem para cozer, nem como bebida, porque ataca as vísceras do homem por sua acidez”.

De maneira sutil, ela comenta o valor curativo ou simplesmente o efeito saudável de incontáveis plantas, pedras preciosas, frutas, animais e peixes. Para a Santa, cada elemento da natureza possui um valor, salutar ou maléfico. Sua medicina tem em vista o homem, o corpo e também a alma, elementos que ela nunca separa. Assim, a título de exemplo, indica plantas “que podem curar a melancolia”, ou manda evitar as que “engendram humores maus, donde resultam problemas de metabolismo e que conduzem à depressão”.

Santa Hildegarda indica também em que consiste uma boa alimentação, ressaltando que “a saúde humana mantém-se por uma boa alimentação.” Dentre seus conselhos, um para afastar a cólera: “Pegar uma rosa, reduzi-la a pó e, no momento de cólera, apresentar esta rosa em pó diante das narinas”.

Tudo isso, que pode parecer um pouco simplista, chama hoje a atenção de renomados médicos que veem, nesta medicina, a vontade de tratar o paciente por meios naturais, com o cuidado manifestado continuamente pela religiosa de “curar o doente e não a doença”.


Ciência Natural

Sobre este tema Hildegarda escreveu o ‘Liber subtilitatum diversarum naturarum creaturarum’, (Livro das propriedades - ou sutilezas - das várias criaturas da natureza), dividido em ‘Physica’ (Liber simplices medicinae) (Física - Livro da medicina simples) e ‘Causae et curae’ (Liber compositae medicinae) (Causas e curas - Livro da medicina complexa). 

Não se sabe como ela veio a adquirir seu conhecimento; sua atividade como médica foi toda informal e sua formação nesse campo aconteceu provavelmente de forma autodidata, mas ela pode ter recebido uma base terapêutica prática com Jutta e os monges de Disibodenberg durante seu noviciado. Fazia parte das obrigações das superioras conventuais velar pela saúde de suas monjas, mas a prática profissional do ofício exigia formação universitária, o que era vedado às mulheres.  

Seja como for, pelo conteúdo do tratado se infere que ela estava familiarizada com a medicina de Galeno, de Hipócrates, as práticas árabes e o curandeirismo tradicional alemão, e deve ter ampliado seus conhecimentos com a prática de atendimento a doentes no seu mosteiro. Também deve ter conhecido as obras de naturalistas antigos como Plínio, o Velho, e Isidoro de Sevilha, bem como os bestiários e livros de maravilhas de sua época, e as teorias dos temperamentos, dos fluidos corporais e dos humores, estabelecidas desde a Antiguidade, mas fez muitas observações originais e inventou diversas terapias novas. 

O texto traça um panorama abrangente das práticas medicinais disponíveis em sua época, derivadas das tradições pagãs greco-romanas, muçulmanas, cristãs e folclóricas, e fica clara sua concepção de que a natureza e o homem são espelhos mútuos e integrados. O ‘Liber subtilitatum’ foi o primeiro livro de ciência natural escrito no Sacro Império Romano-Germânico, permanecendo uma influência para o estudo da Botânica na Europa do norte até o século XVI, mas ainda espera dos pesquisadores estudos mais detidos que o posicionem mais corretamente no contexto do desenvolvimento da ciência e medicina medievais. 

Suas ideias têm sido apontadas como uma referência para os adeptos modernos da medicina holística. A primeira parte tem o caráter de uma enciclopédia e descreve as propriedades dos elementos naturais como os rios e lagos, o ar e a terra, as pedras preciosas, plantas, animais e minerais, na perspectiva de seu uso medicinal pelo homem. 

O texto não é visionário, mas a interpretação das propriedades desses elementos se encaixa em sua teologia geral, avaliando a natureza sob premissas cristãs. Considerava que ela fora desvirtuada através da queda de Adão e Eva, mas identificava vários domínios naturais ainda intactos e portadores de um valor sacramental. 

Muitas das práticas terapêuticas que ela descreveu têm um interesse apenas histórico, mas outras foram confirmadas pela ciência moderna e permanecem válidas. Também assinalou a importância do conhecimento do natural para o bem-estar do homem, e a necessidade do uso das forças da natureza em aliança com a graça salvífica de Cristo, sempre atribuindo o resultado da intervenção terapêutica à vontade divina. Para ela bênçãos e maldições tinham uma realidade concreta, e muitas de suas práticas curativas traziam um elemento de prece até confundidas com magia. 

Um exemplo é sua receita para curar a loucura nascida de uma maldição, onde recomendou que se passasse uma certa pedra preciosa através de uma fenda em forma de cruz aberta na casca de um pão aquecido, enquanto o terapeuta devia recitar as palavras: 

"Deus, que privou o diabo de todas as pedras preciosas, se este mandamento foi quebrado, remova de (fulano) todas as fantasias e palavras mágicas, levando com elas o sofrimento da loucura".

'Causae et curae' tem uma estrutura bem mais frouxa e um conteúdo mais heteróclito, e aparentemente nunca recebeu uma redação definitiva pela autora; possivelmente foi compilado como um manual prático para seu uso pessoal. Traz uma miscelânea de tradições folclóricas sobre Adão e Eva, notas astrológicas, mas, sobretudo, enfoca o corpo humano, estudando sua anatomia e fisiologia. 

Para Hildegarda boa parte das doenças do homem derivam das consequências do pecado original, da perda da harmonia e moderação primitivas, bem como da integração entre Criador, natureza e criatura, e se recusava a ver a doença como um assunto exclusivamente de ordem física, fazendo constantes conexões entre os males que afligiam a alma e aqueles de que padecia o corpo.





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